A ex-atleta e professora de vôlei, Sandra Mathias Correia de Sá, é esperada na tarde de hoje, para depor na 15ª DP (Gávea). Ela foi filmada agredindo verbal e fisicamente o entregador de aplicativo Max Angelo dos Santos, de 36 anos. O caso aconteceu no Domingo de Páscoa e foi registrado como lesão corporal e injúria simples. A polícia avalia se cabe mudar para injúria racial, que tem o mesmo tratamento jurídico de racismo. Em um dos momentos da agressão, a acusada chega a usar a guia para conduzir cães para chicotear o rapaz. A mulher já havia sido convocada para depor na quarta-feira passada, mas não compareceu. Sua defesa apresentou um atestado na ocasião, alegando que a sua cliente estaria machucada.
O que aconteceu com Max Ângelo?
- A professora de vôlei Sandra Mathias Correia de Sá desferiu ao menos quatro chibatadas contra o entregador Max Angelo Alves dos Santos no último domingo.
- Ao passar por entregadores, começou a atacar verbalmente o grupo, dizendo para eles “voltarem para a favela”.
- Max registrou duas ocorrências contra Sandra Mathias, que foi banida de plataforma de delivery após o caso.
- Após a repercussão, Max ganhou do iFood uma motocicleta e uma bicicleta elétrica.
- Uma vaquinha para entregador agredido por ex-atleta de vôlei comprar casa própria já arrecadou de R$ 100 mil em menos de um dia.
O advogado do entregador, Joab Gama, disse que o seu cliente foi ouvido no dia da agressão, mas espera que ele seja chamado novamente nos próximos dias para complementar o inquérito policial com novas informações. Disse ainda que, muito provavelmente, nesta semana novas testemunhas serão ouvidas pela polícia, no inquérito que apura a injúria racial. Ele espera que ao final do processo, seja feita justiça.
— Meu cliente nunca buscou visibilidade ou auferir qualquer tipo de lucro, mas sim que ela (a acusada) responda de forma criminal e que ao final seja condenada, para servir pelo menos como parâmetro para que outras pessoas não passem pela mesma situação que o Max está passando agora.
Max, entre João Vicente e Luciano Huck: ajuda — Foto: Reprodução
O caso envolvendo a ex-atleta e o entregador foi parar nas redes sociais e na imprensa, causando grande comoção. Em depoimento a O GLOBO, Max, que é negro, morador da Rocinha e pai de três filhos, disse ter entendido a agressão como um caso de racismo. Ele contou que trabalha desde os 11 anos, já tendo sido camelô, frentista, auxiliar de serviços gerais, auxiliar de garçom, técnico de instalação de TV, porteiro e, agora, entregador. E, nunca se sentiu tão humilhado:
— É com a entrega que venho mantendo a minha família de pé. Sou pai de três filhos: de 13, 12 e 8 anos e não tive como esconder deles o que aconteceu. Eles assistiram na TV, viram na internet, leram nos jornais. Estava em toda parte que o pai deles sofreu racismo. E como explicar isso a eles? Conversei muito, mas não queria que meus filhos tivessem visto o pai deles apanhando. Mas, ao mesmo tempo, achei bom. Eles vão aprender a não abaixar a cabeça para ninguém, assim como eu aprendi. Vão descobrir que o racista é racista e isso não vai mudar. Meus filhos precisam estar preparados e falo sempre em casa: nunca passem por cima de ninguém e nunca achem que são melhores do que ninguém — disse.
A repercussão do caso chamou a atenção do ator João Vicente de Castro e do apresentador Luciano Huck. Os dois criaram uma vaquinha virtual para Max que em menos de 48h já arrecadou mais de R$ 200 mil, superando rapidamente a meta inicial de R$ 190 mil. Com esse dinheiro, o entregador que mora de aluguel planeja comprar uma casa própria.
— Moro de aluguel e, ter uma casa própria, me ajudaria a juntar dinheiro e pagar cursos para as crianças. Quero que eles tenham acesso à educação que, infelizmente, eu e meus irmãos não tivemos. Espero que minha história faça algum efeito — disse no depoimento a O GLOBO.
Ouvido novamente neste domingo, o entregador disse que não quer se precipitar e ainda não procurou nenhum imóvel. Ele está esperando a vaquinha ser concluída. Enquanto isso tenta voltar a vida normal. Contou que sua história sensibilizou muita gente, não só no Rio. Max contou que soube por meio de amigos da Rocinha quer estão vivendo no exterior, que a repercussão de sua história ultrapassou as fronteiras do país.
— Minha história sensibilizou todo mundo e fico feliz, porque foi algo que aconteceu da forma mais horrível. Não joguei o vídeo (da agressão) nas redes sociais buscando fama, mas justiça. Isso que está acontecendo é o reconhecimento de que nossa classe de entregadores vem sendo muito hostilizada. Fico triste que esse tipo de coisa (discriminação e racismo) ainda aconteça. Meu caso tem sensibilizado outras pessoas que foram vítimas de racismo. Quando elas me procuram digo que o problema não vai acabar, mas se denunciarmos, como fiz, poderá ajudar a reduzir.
O entregador também ganhou uma motocicleta e uma bicicleta elétrica na sexta-feira. Nas redes sociais, circula um vídeo no qual o entregador recebe as chaves da moto. Além disso, o rapaz contou que também está recebendo diversas propostas de emprego. Nessa segunda-feira, disse que comparecerá a uma entrevista de trabalho na Barra da Tijuca, mas preferiu não dar detalhes, para não atrapalhar.
— Quero continuar trabalhando, tento uma vida normal.
Até setembro do ano passado, Max trabalhava como porteiro em um prédio na Zona Sul. Paralelamente atuava como entregador de aplicativo. O que era para servir de reforço na renda acabou virando sua principal remuneração, com o desemprego. As entregas rendem em média R$ 1 mil, por mês. Somente o aluguel (R$ 600 mensais) e pensão dos filhos R$ 400), consomem integralmente esse valor.
Uma das lições tiradas do episódio foi o desejo de Max de voltar a estudar. Após ter se sentido “como se fosse um escravo, um negro silenciado que levava chibatadas se abrisse a boca”, decidiu que quer chegar à universidade para combater esse tipo de injustiça:
— Quero ser um bom advogado para lutar contra o racismo que, desde menino, encarei com leveza, sem reagir. Minha mãe sempre me ensinou a não rebater. Aceitava as piadas de mau gosto e ofensas sem revidar. Com a faculdade de Direito não lutarei por mim, mas por toda a comunidade.
A ex-jogadora de vôlei Sandra Mathias Correia de Sá tem outras três passagens pela polícia: uma por lesão corporal em 2007, outra por injúria e ameaça, em 2012, e uma terceira por furto de energia, em 2021. Nas redes sociais, diz que foi atleta profissional por 14 anos, desde o ano 2000. Ela também diz que trabalhou como nutricionista em clínicas no Rio e foi supervisora de produção do Comitê Olímpico do Brasil (COB), entre outubro e novembro de 2022.
Logo após a repercussão do caso, a prefeitura do Rio suspendeu o funcionamento da escolinha de vôlei da qual ex-atleta é sócia. Já o advogado do condomínio onde ela aluga um apartamento afirmou que vizinhos querem expulsar a moradora do prédio. E a Comissão de Ética do Conselho Regional de Nutrição abriu um processo administrativo contra Sandra.
Entenda o caso
A confusão aconteceu, num domingo e teria começado por insatisfação da mulher ao ver entregadores andando de moto na calçada em que ela passeava com o seu cachorro. Um grupo de entregadores foi agredido verbal e fisicamente pela mulher. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram o momento em que Sandra Mathias Correia de Sá está passeando com o cão e passa por alguns entregadores que trabalham em uma loja do bairro.
Ela para e começar a atacar verbalmente o grupo, dizendo para eles “voltarem para a favela”. Depois, tira a coleira do cachorro e chicoteia as costas de um deles, Max Angelo dos Santos. Morador da Rocinha. O rapaz se tornou entregador em setembro do ano passado, quando perdeu a carteira assinada ao ser demitido de seu antigo emprego de porteiro num prédio da zona Sul.
Após a agressão, o rapaz foi à delegacia, prestou depoimento e passou por exames no Instituto Médico Legal (IML), onde foram confirmadas os hematomas causados pela agressão.
Fonte/Créditos: extra.globo.com
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