O ex-policial militar Élcio de Queiroz, preso em 2019 suspeito de participar dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes, detalhou em uma delação premiada como foi o planejamento e a execução da vereadora e de seu motorista. Aos policiais, ele conta também como Ronnie Lessa, acusado de ser o atirador, arquitetou a fuga e os artifícios para tentar se livrar de provas. Veja os detalhes da delação:
Quem são os principais envolvidos:
- Ronnie Lessa, ex-BOPE e acusado de ser o autor dos disparos contra Marielle Franco e Anderson Gomes
- Élcio Queiroz, ex-PM acusado de ser o motorista de Lessa no dia do crime
- Maxwell Simões Correa, o Suel, investigado por ser cúmplice no planejamento do crime
- Edimilson Oliveira, o Macalé, foi assassinado e é apontado como cúmplice no planejamento do crime
O Cobalt Prata
A primeira vez que Élcio Queiroz conta ter tido contato com o plano para assassinar Marielle Franco foi em agosto de 2017, meses antes da execução. Ele conta que em certa ocasião estava na casa de Ronnie Lessa e, ao ir embora, pegou uma bateria de carro emprestada porque a do seu corsa estava falhando. Dias depois, o ex-BOPE cobrou a devolução do equipamento pois teria um “carrinho ruim” para colocar. Élcio explica que o termo é em referência a um veículo de procedência duvidosa — roubado e clonado. Era o Cobalt Prata, usado na noite do crime.
Ronnie já tinha tido um veículo, também clonado, rebocado pela Polícia Militar um pouco antes. O carro estava em más condições de conservação e ficava parado em apenas um local. Sem este veículo, ele conseguiu o Cobalt. Para evitar perder mais um carro, deu a ordem a seus comparsas para não deixar estacionado em apenas um local.
Primeira tentativa de execução
Amigos há décadas, Élcio passou a festa de réveillon de 2017 para 2018 com sua a família e a de Ronnie no Vivendas da Barra, onde o atirador morava. No meio da noite, Ronnie, alcoolizado, confidenciou que estava chateado pois estava num trabalho há algum tempo com o Suel e Macalé e não havia conseguido concluir. Lessa então detalhou a noite que saiu com os dois: Maxwell era o motorista do Cobalt,o atirador no carona com sua submetralhadora e Edimilson no banco traseiro com um fuzil Ak-47.
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Marielle estava num táxi, também no Estácio, bairro onde foi assassinada meses depois. Em seu desabafo ao amigo, o atirador contou que o trio se aproximou do veículo da vereadora, mas, apesar da ordem de emparelhar com o carro, Suel não conseguira se aproximar. O motorista explicou a Lessa que o carro dera um problema, mas o ex-BOPE não acreditou e achava que ele tinha ficado com medo.
Campanas
O monitoramento de Marielle Franco foi feito durante meses. Élcio conta que até o final do ano, ao menos os três envolvidos na primeira tentativa de execução acompanhavam os passos da vereadora, principalmente na região da Tijuca, Zona Norte do Rio, bairro em que ela morava. Ronnie também tinha mapeado que a região do Estácio era “mais propício” para cometer o crime. A vigilância foi feita "buscando uma janela de oportunidade". Segundo Élcio, o grupo estava sempre preparado e "a pronto emprego".
A arma
Élcio se refere a submetralhadora MP5 com a “arma de Ronnie Lessa”. Em sua delação, conta ter ouvido que a arma é oriunda do Batalhão de Operações Especiais (Bope), em que o atirador trabalhou. Teria acontecido um incêndio no paiol da unidade e a metralhadora foi extraviada. Foi feita uma manutenção e Lessa comprou e ele tinha um carinho pela arma. Élcio revela não saber como o atirador teve acesso a munição da Policia Federal, mas que ele tinha amigos na corporação.
Lessa teria contado que serrou a arma usada no crime. O atirador afirmou a Élcio que após partir a submetralhadora, pegou um barco na Barra da Tijuca e jogou no mar em um local com 30 m de profundidade. No entanto, o delator não acredita nessa versão, pelo carinho que ele tinha com a arma e crê que Lessa guardou o equipamento com um amigo policial.
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A operação para tentar ocultar o armamento também foi tema da delação, mas continua sob sigilo.
A preparação do crime
Elcio de Queiroz estava trabalhando como segurança de uma transportadora quando recebeu uma mensagem de Ronnie Lessa na tarde de 14 de março de 2018, horas antes do assassinato. A comunicação ocorreu por uma aplicativo em que as mensagens se autodestroem após lidas.
O motorista do crime foi ao encontro do parceiro no Vivendas da Barra, onde Lessa morava. O atirador levava uma bolsa de viagem, onde a arma usada no crime estava guardada. Eles embarcaram no carro pessoal do atirador e foram em busca do Cobalt prata usado no crime. No primeiro carro, deixaram seus telefones desligados para tentar evitar serem rastreados pelos sinais de celular.
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Já no carro usado no crime, eles passaram pelo Alto da Boa Vista, pela Praça Sãens Peña, na Tijuca, até chegarem à Rua dos Inválidos, na Lapa, onde Marielle participava de um evento.
A Casa das Pretas
No caminho para a Rua dos Inválidos, o motorista perguntou a Lessa "qual era a situação". O atirador respondeu ser a vereadora Marielle Franco, mas Élcio diz não ter reconhecido quem er:. “O que é a situação? Tem dinheiro nisso aí?”, questionou novamente Queiroz, e obteve como resposta do amigo ser "algo pessoal" sem o envolvimento de dinheiro.
O ex-BOPE teria visto nas redes sociais que a vereadora participaria de um evento no local às 19h. A dupla chegou próximo ao horário e Lessa ficou preocupado de terem se atrasado. O atirador demonstrou conhecer bem a região: Élcio conta ter recebido instruções de onde poderia parar o carro para evitar câmeras de segurança.
Com o carro já parado próximo à Casa das Pretas, Ronnie Lessa começou a se preparar. Pediu ajuda para passar para o banco de trás sem sair do veículo. Ele tem uma perna amputada e usa uma prótese, o que dificultaria o movimento. Depois de mudar de posição, ele começou a se equipar: colocou um casaco (preto com detalhes vermelho e branco, de algum time estrangeiro), tirou a metralhadora da bolsa, colocou o silenciador e ficou observando o movimento com um binóculo.
O carro estava fechado e desligado para evitar chamar atenção, mas os vidros começaram a embaçar. Élcio de Queiroz liga o veículo para poder ligar o ar-condicionado. Ao girar a chave na ignição, o painel do carro acende. Para tampar a luz, Lessa entrega uma touca ninja para cobrir a iluminação.
“Eu já sabia que era execução; quando a senhora apareceu, ele falou assim, com essas palavras: “tô pensando em pegar aqui mesmo”...; pegar a gente já sabe que é matar; aí eu falei: tá louco, fazer isso aqui no meio (...) eu falei, olha as câmeras; ele disse não... a gente não vai fazer nenhuma loucura”, disse.
O assassinato
Marielle entra no carro com o motorista Anderson Gomes e Fernanda Chaves, sua assessora que sobreviveu ao assassinato. Ao ver que havia outra passageira, Élcio questiona se Lessa abortaria a missão: “Me falou para ficar tranquilo que não ia pegar nela”.
O carro com os três foi embora e a dupla foi logo atrás. Lessa orientou manter distância. Além da oportunidade de cometer o crime no carro, o atirador já tinha mapeado um bar onde Marielle costumava ir. Em outro momento o motorista hesita novamente. No caminho passam por um carro completamente preto e Élcio pensa ser de um policial — o que poderia atrapalhar a execução. Ele comenta com Lessa, que orienta o amigo em continuar a seguir o carro da vereadora.
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Mas ao se aproximar do carro de Marielle parado em um cruzamento, Lessa, de touca ninja, deu a ordem: “emparelha a minha janela com a de trás do lado direito. Pelo carona”.
“Eu só escutei a rajada; da rajada, começou a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço; Ele falou “vão bora”; eu nem vi se acertou quem, se não acertou” , detalha Queiroz na delação.
A fuga
Élcio arrancou com o carro e foram embora. No banco de trás, Lessa colocou um carregador cheio na submetralhadora para “fazer barulho” caso “alguém os roubasse”. Eles pegaram a direção da Leopoldina para depois acessar a Avenida Brasil. De lá passaram pela Linha Amarela no sentido Barra da Tijuca e desceram antes do pedágio, no Méier, Zona Norte do Rio. Passaram então em frente à casa da mãe de Lessa e estacionaram próximo a uma casa de festas. O atirador então chamou pelo irmão, pediu para ele guardar a bolsa e pedir um táxi para a dupla.
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Os dois embarcam no novo carro e pegam novamente a Linha Amarela em direção a Barra da Tijuca. Eles voltam ao local onde tinham deixado o veículo pessoal de Lessa e foram para um bar na Olegário Maciel, famoso point da noite carioca.
A bebedeira
Ao chegarem no bar, Ronnie e Élcio se sentaram com Maxwell, sua esposa, Assis Bombeiro e um outro militar. A mesa estava cheia de bebidas, entre elas whisky. Logo quando se aproximaram, Maxwell foi em direção a Ronnie e falou que já sabia que eram eles que cometeram o crime — no momento, a morte da vereadora já era notícia em todos os jornais e canais. Ao ver na televisão uma reportagem sobre o crime, Élcio perguntou ao garçom o que tinha acontecido e teve como resposta que duas pessoas haviam sido assassinadas. Na delação ele conta ter sido nesse momento que percebeu que, além da vereadora, outra pessoa tinha morrido.
O motorista do crime conta ainda que ficou bêbado naquela noite e chegou a vomitar três vezes. O grupo foi um dos últimos a deixar o estabelecimento e a dupla voltou para a casa de Lessa, no Vivendas da Barra, onde Lessa deu R$ 1 mil para o amigo, mas não teria sido o pagamento pelo crime e sim uma ajuda financeira — que seria corriqueira.
O dia seguinte
Ronnie e Maxwell vão à casa de Elcio no dia seguinte ao crime. Era no final da manhã e o delator ainda não tinha se recuperado da ressaca da noite anterior. Eles buscaram o motorista e, juntos, foram ao Meier, onde tinham deixado o carro usado no crime. Após debater o que fariam, decidiram ir a casa de Queiroz para adulterar a placa — a original foi cortada em vários pedaços. Na garagem, o grupo fez uma limpeza no Cobalt e recolheram algumas cápsulas que tinham restado no interior do veículo. Para adulterar carro, Suel também colocou um adesivo de maçã no vidro traseiro.
A saída foi filmada pelas câmeras de segurança da casa, mas Queiroz arrancou o HD do equipamento e jogou no rio que passa pela rua Borja Reis. Ele conta que até hoje não colocou um novo gravador no lugar.
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A caminho de Rocha Miranda, onde iriam encontrar uma pessoa para destruir o carro, eles seguiram a linha do trem. No carona, Lessa foi jogando os pedaços da placa e as cápsulas para dentro do muro que protege os trilhos. A ideia era, segundo Élcio, que o material se misturasse com os cascalhos da linha férrea.
O grupo deixou Maxwell com o carro em Rocha Miranda e foram embora.
“Ronnie deixou bem claro pra explicar pra ele que isso (o carro) tem que sumir não pode aparecer, não pode vender peça... não pode fazer desmanche pra vender peças; preocupação era essa porque tem digital, podia achar uma cápsula, um DNA, alguma coisa; se possível até tacar fogo; e principalmente tirar a numeração”.
Fonte/Créditos: Globo
Créditos (Imagem de capa): Globo
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